Fonte: Correio Braziliense| Seção: Notícias | Imagem: Reprodução Internet | Data: 16/11/2025
Baixos níveis do nutriente no sangue sinalizam risco aumentado de lentidão de marcha na velhice, impactando diretamente a independência. Estudo mostra que carência está associada à maior possibilidade de quedas, hospitalização e mortalidade
A deficiência de vitamina D pode ser um sinal precoce de perda de mobilidade e, consequentemente, de uma velhice menos independente. Um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), em parceria com a University College London (UCL), no Reino Unido, mostrou que idosos com baixos níveis do nutriente no sangue têm um risco 22% maior de desenvolver lentidão da marcha em seis anos de acompanhamento, em comparação a pessoas da mesma faixa etária com taxas adequadas.
Definida como velocidade inferior a 0,8m por segundo, a lentidão da marcha é considerada um dos principais indicadores de fragilidade em idosos, uma condição associada a aumento do risco de quedas, hospitalização, dependência funcional e mortalidade. Segundo Tiago da Silva Alexandre, professor do Departamento de Gerontologia da UFSCar e autor principal da pesquisa, a vitamina D pode ser usada como marcador para identificar precocemente o risco de declínio da mobilidade.
“Como a lentidão da caminhada está associada ao maior risco de dependência funcional e desfechos adversos, o monitoramento dos níveis de vitamina D, principalmente em pessoas idosas, também deve ser priorizado nos diversos contextos clínicos e serviços de saúde”, afirma. O artigo foi publicado na revista Diabetes, Obesity and Metabolism.
A vitamina D ganhou notoriedade nos últimos anos pelos múltiplos papéis que desempenha no organismo — do fortalecimento dos ossos e músculos à modulação do sistema imunológico e neurológico, embora esses dois últimos careçam de mais evidências científicas. Praticamente todas as células têm receptores para o nutriente, o que explica sua influência em diversos órgãos. Quando a pele é exposta ao Sol, a radiação ultravioleta estimula um precursor que, após transformações metabólicas no fígado e nos rins, converte-se na forma ativa da molécula.
Acompanhamento
Os pesquisadores analisaram dados de 2.815 participantes do English Longitudinal Study of Ageing (Elsa), um estudo britânico que acompanha o envelhecimento populacional. Os participantes foram classificados conforme a concentração no sangue de 25-hidroxivitamina, principal forma de vitamina D circulante no organismo: suficiência (acima de 50 nmol/L), insuficiência (entre 30 e 50 nmol/L) e deficiência (abaixo de 30 nmol/L).
Ao longo de seis anos, aqueles com deficiência tiveram risco significativamente maior de desenvolver marcha lenta, mesmo após o ajuste para fatores como idade, sexo, raça, escolaridade, tabagismo, nível de atividade física e presença de doenças crônicas, que também interferem nesse aspecto. Não houve, porém, relação estatística entre insuficiência e lentidão, indicando que apenas níveis muito baixos parecem aumentar o risco.
Os mecanismos que explicam a associação envolvem tanto o sistema musculoesquelético quanto o sistema nervoso. A vitamina D atua nas células musculares regulando a entrada e saída de cálcio, processo essencial para a contração muscular. Quando há deficiência, esse fluxo é prejudicado e compromete a força e a eficiência dos músculos. Além disso, a falta do nutriente reduz a síntese de proteínas musculares, dificultando ainda mais a formação de massa magra em idosos — um problema que se soma ao declínio natural da força com a idade.
Segundo a professora Mariane Marques Luiz, que conduziu a pesquisa durante seu doutorado na UFSCar, a falta de vitamina D também tem impacto neurológico, interferindo na proteção dos neurônios e na velocidade da transmissão dos impulsos nervosos. “Além da questão muscular, a carência de vitamina D tem repercussão no sistema nervoso central e periférico, comprometendo a marcha pela lentidão na transmissão dos estímulos neuronais para a caminhada”, explica.
Exposição
Com o envelhecimento, a própria capacidade de síntese de vitamina D diminui. O geriatra Saulo Borges, da Clínica Bella Ricca Saúde e Bem-estar, explica que a pele mais fina reduz a produção do precursor do nutriente, e o número de receptores da molécula nos tecidos também tende a cair. “Outro ponto é que, muitas vezes, o idoso já tem uma deficiência na funcionalidade e tende a se expor menos ao Sol. Mas temos condições patológicas decorrentes do envelhecimento, que podem gerar processos de desabsorção de nutriente, aumentando o risco de deficiência”, esclarece.
Os autores do artigo observam, porém, que, apesar de a vitamina D ser um fator de risco importante, a lentidão da marcha é multifatorial. O envelhecimento está associado a alterações musculares, neurológicas e metabólicas que interagem entre si, e o declínio da mobilidade dificilmente decorre de uma única causa. Outro alerta que fazem é sobre o cuidado com a suplementação excessiva, que pode ser tóxica, segundo Tiago Alexandre.
“Acho importante frisar que as evidências científicas atuais nos mostram que a suplementação é benéfica para quem tem deficiência documentada”, reforça Polianna Souza, médica geriatra e cofundadora do canal Longidade. “Isso é, não adianta a gente sair por aí suplementando indiscriminadamente todo mundo. O que os trabalhos nos mostram é que quem não tem deficiência não tem benefício adicional da suplementação da vitamina D. Então, essa é uma coisa que precisa ficar bem clara.”
Prescrição
A nutricionista Maria Catarine Camargo, especialista em nutrição esportiva, lembra que somente um profissional pode indicar a suplementação. “A prescrição — se a pessoa vai precisar tomar uma dose mais intensa ou se fará consumo diário, por exemplo — depende muito do nível de deficiência identificado e também de quem vai receber o suplemento”, diz. “Se houver uma dificuldade absortiva, o profissional pode escolher vias diferentes de suplementação e também dosagens diversas.”
Para os autores do estudo e especialistas, uma das implicações do trabalho é a importância do rastreamento dos níveis de vitamina D em idosos em risco. “Sem dúvida nenhuma, pacientes mais idosos, que vivem institucionalizados, aqueles mais restritos à casa, com distúrbios de mobilidade e que já tem distúrbios de absorção instalados deveriam ser rastreado”, acredita o geriatra Saulo Borges. “Na prática clínica, já fazemos isso, mas esse rastreamento poderia ser incentivado por meio da promoção de políticas públicas.”
Três perguntas para
Thiago Póvoa, geriatra do Hospital Sírio-Libanês e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia do DF
De que forma a falta de vitamina D afeta a mobilidade?
A deficiência de vitamina D é um dos marcadores que se associam a um quadro que a gente caracteriza de fragilidade, envolvendo perda de massa muscular, dificuldade de marcha e quedas frequentes. Nesse contexto, a deficiência de vitamina D, entra como um marcador indireto da falta de mobilidade muscular. Portanto, deve ser rastreada em pessoas com risco maior de quedas e, especialmente, de fraturas.
Além de mobilidade, quais outros problemas podem acometer idosos com deficiência/insuficiência de vitamina D?
As doenças ou os problemas de saúde que estão mais associados à deficiência de vitamina D, pela evidência científica, são as relacionadas à osteoporose e à musculatura, entre as quais osteoporose, osteopenia e sarcopenia, além dos desdobramentos dessas patologias, como quedas, fraturas, instabilidade do caminhar e as consequências de quedas, como internações prolongadas. Outras patologias, como o deficit cognitivo e alterações da imunidade, não foram associadas diretamente à deficiência de vitamina D em estudos. A vitamina D baixa é mais uma consequência de um mau estado de saúde ou mal ao equilíbrio das condições metabólicas de saúde, do que exatamente uma causa dessas condições.
Considerando o envelhecimento da população brasileira, quais as implicações dos estudos para políticas públicas voltadas aos idosos?
Esses estudos mais recentes mostraram que, a despeito da exposição solar disponível no Brasil, os idosos ainda têm uma grande deficiência de vitamina D. Portanto, em termos de saúde pública, deve ser levado em conta o incentivo às atividades em ambientes abertos e que envolvam força muscular e equilíbrio, principalmente em parques e jardins com exposição solar indireta. Do ponto de vista técnico, a implicação é a triagem. Ao se fazer o rastreio de doenças osteometabólicas, deve-se fazer também um rastreio de vitamina D. (PO)
Recomendações gerais
Níveis ideais no sangue
Deficiência: < 30 nmol/L (< 12 ng/mL). Risco aumentado de fraqueza, lentidão da marcha e quedas.
Insuficiência: 30–50 nmol/L (12–20 ng/mL). Níveis subótimos; atenção redobrada em idosos.
Suficiência: > 50 nmol/L (> 20 ng/mL). Considerado adequado para ossos e músculos saudáveis.
Toxicidade: > 125 nmol/L (> 50 ng/mL). Excesso pode causar hipercalcemia e danos renais.
Alimentos ricos em vitamina D (UI por porção)
Salmão, sardinha, atum, cavala: 250–600
Fígado bovino e de galinha: 40–50
Gema de ovo: 35–40
Leite e iogurte enriquecidos: 40–100
Suplemento (colecalciferol): 400–2000 (por prescrição)
Exposição ao Sol
Pele clara: 10 a 15 min, das 10h-15h
Pele morena: 15 a 30 min, das 10h –15h
Negra: 30 a 45 min, das 10h –15h
Fontes: Luiz MM et al., Diabetes Obesity and Metabolism (2025); SBEM (2023); NIH (2024).






