Fonte: Correio Braziliense | Seção: Notícias | Imagem: Reprodução Internet | Data: 09/03/2025
Pesquisas descobrem mais benefícios das frutas, além dos conhecidos efeitos anti-inflamatórios e antioxidantes. Controlam a glicose, reduzem risco de síndrome metabólica e até diminuem a perda muscular.
Leves, saborosas e saudáveis, as frutas oferecem mais benefícios ao organismo do que se imaginava, sugerem estudos recentes. De melhora na sensibilidade à insulina à manutenção da massa muscular, as pesquisas revelam potenciais até então desconhecidos de alimentos como açaí, limão, abacate, uva, morango e laranja, que são fáceis de encontrar e, em alguns casos, podem ser colhidos nas ruas e parques de Brasília.
A manga fresca, por exemplo, revelou um potencial divisor de águas no incremento da saúde cardiometabólica, dizem pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Illinois, nos Estados Unidos, em um estudo publicado na semana passada na revista Nutrients. Os cientistas descobriram que ingerir duas xícaras da fruta (cerca de 100 calorias) diariamente ajuda a reduzir a concentração da insulina em adultos com sobrepeso ou obesos, que também sofrem de inflamação crônica. Segundo os autores, a constatação ressalta “como escolhas alimentares simples podem contribuir para reduzir o risco de doenças crônicas como diabetes tipo 2, que estão intimamente ligadas à saúde cardíaca”.
Pesquisas anteriores verificaram que o consumo regular de manga fortalece o sistema imunológico, contribui para o bom funcionamento intestinal, combate inflamações e ajuda a proteger a visão. Agora, os cientistas norte-americanos investigaram se a fruta — cortada do cardápio de muita gente por ser rica em frutose, o açúcar natural — ajudaria a melhorar a sensibilidade à insulina.
Inflamação
O estudo, realizado com 48 adultos com idades entre 20 e 60 anos, comparou a inflamação e a sensibilidade à insulina quando o alimento ofertado era manga ou sorvete italiano, com a mesma quantidade de calorias. “A fruta escolhida foi justamente a manga, que tem altíssimo índice glicêmico, o que, teoricamente, pioraria o diabetes”, descreve Jamilly Drago, endocrinologista da clínica Metasense. “Após um teste de tolerância oral à glicose, foram analisados os efeitos da fruta na resistência insulínica e os pesquisadores viram uma melhora”, diz a médica.
Além disso, houve melhora na função pancreática de produzir e liberar insulina para gerenciar concentrações normais de glicose, o que foi medido pelo índice de disposição (DI), um marcador de quão efetivamente o corpo regula os níveis de açúcar no sangue. “Gerenciar a glicose no sangue não é apenas monitorar os níveis de açúcar no sangue — é melhorar a sensibilidade à insulina”, disse, em nota, Indika Edirisinghe, professora de Ciência Alimentar e Nutrição em Illinois e principal autora da pesquisa.
Estratégia
Outra descoberta que surpreendeu os pesquisadores foi a de que o consumo de uvas a longo prazo impacta significativamente a saúde muscular, com benefícios notáveis para ambos os sexos. O artigo, publicado na revista Foods, sugere que uma dieta que inclua essa fruta pode modificar a expressão genética no tecido, oferecendo, segundo os autores, uma nova estratégia nutricional para manter a massa e a função muscular.
É importante notar que o estudo foi realizado, inicialmente, em camundongos e precisa ser replicado em humanos para ter os resultados validados clinicamente. Porém, os autores estão animados com as descobertas e acreditam que elas serão confirmadas brevemente nos testes com pessoas. “O estudo fornece evidências convincentes de que as uvas têm o potencial de melhorar a saúde muscular no nível genético”, disse John Pezzuto, pesquisador senior e professor da Universidade Western New England, nos Estados Unidos.
A abordagem utilizada foi a nutrigenômica, campo que investiga como a dieta influencia o comportamento dos genes e de que forma a variação genética impacta nas respostas alimentares. “Os avanços na genética, especialmente na nutrigenômica — ciência que estuda a interação entre os nutrientes e os genes —, têm permitido uma compreensão mais aprofundada sobre como determinados compostos presentes nas frutas influenciam diretamente nossa saúde”, explica a nutricionista Juliana Bayeux, pós-graduada em nutrição funcional e fitoterapia.
Mulheres
A equipe da Western New England analisou o impacto de duas porções de uva por dia nos padrões de expressão genética muscular. Os autores descobriram que o consumo diário da fruta altera significativamente a expressão dos genes nos tecidos, com um efeito mais pronunciado em mulheres.
Além disso, os genes associados à massa muscular magra foram elevados, enquanto aqueles ligados à degeneração sofreram redução. “Essas descobertas sugerem aplicações potenciais para perda muscular relacionada à idade, já que entre 10% a 16% dos idosos apresentam sarcopenia”, diz John Pezzuto. Ele ressalta que não basta comer uvas, mas aliar o consumo às estratégias tradicionais de manutenção dos músculos, como exercícios físicos.
Compostos à brasileira
A nutricionista Juliana Bayeux, pós-graduada em nutrição funcional e fitoterapia, recomenda frutas ricas em polifenóis, fáceis de serem encontradas no Brasil. “Esses compostos bioativos reduzem a síndrome metabólica porque combatem o estresse oxidativo e a inflamação crônica, fatores que contribuem para resistência à insulina, obesidade, hipertensão e dislipidemias. Além disso, modulam a microbiota intestinal, o que também impacta positivamente o metabolismo e a regulação do peso corporal”, ensina.
• Uva: rica em resveratrol, que melhora a função endotelial e reduz a inflamação, prevenindo doenças cardiovasculares.
• Açaí: tem antocianinas, que ajudam a reduzir o “colesterol ruim” (LDL) e a inflamação sistêmica.
• Cacau (presente no chocolate amargo): fonte de flavonoides, que melhoram a sensibilidade à insulina e a saúde vascular.
• Jabuticaba: contém elagitaninos e antocianinas, que protegem contra o acúmulo de gordura no fígado e na região abdominal.
• Morango e frutas vermelhas: ricas em quercetina e ácido elágico, compostos associados à melhora da glicemia e redução do risco de hipertensão.
Combinação complexa
“As frutas oferecem uma matriz alimentar complexa, combinando fibras, antioxidantes, minerais e outros nutrientes que atuam de forma sinérgica para proporcionar benefícios à saúde”, destaca a nutricionista Juliana Bayeux, especialista em nutrição funcional. Algumas das substâncias mais estudadas nesses alimentos são os polifenóis, compostos bioativos com conhecidas propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias.
Um novo estudo com 6 mil brasileiros constatou os efeitos cardioprotetor dos polifenóis, abundantes em uva, morango, açaí, laranja, chocolate, vinho e café. Segundo os pesquisadores, que publicaram o resultado no Journal of Nutrition, esses alimentos podem reduzir o risco de síndrome metabólica em até 23%.
A síndrome metabólica é um conjunto de alterações no metabolismo e nos hormônios e constitui o principal fator de risco para doenças cardiovasculares. “Embora a ligação entre o consumo de polifenóis e a redução do risco de síndrome metabólica tivesse sido identificada em estudos anteriores, ela nunca havia sido verificada em uma amostra de estudo tão grande e por um período tão longo, de oito anos”, disse Isabela Benseñor, coautora do artigo e professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP).
Questionários
Entrevistas detalhadas baseadas em questionários foram conduzidas para descobrir os hábitos alimentares dos participantes e a frequência com que eles ingeriam 92 alimentos ricos em polifenóis. Os efeitos de diferentes métodos de cozimento e processamento foram levados em consideração para garantir a medição precisa da ingestão dos compostos.
Os autores concluíram que o consumo de polifenóis de diferentes alimentos no nível mais alto estimado (469mg por dia) reduziu o risco de desenvolver síndrome metabólica em 23% em comparação com o menor consumo de polifenóis (177mg por dia). A ingestão de ácidos fenólicos — substância abundante no café, vinho tinto e chá) — mostrou efeito semelhante.
A nutricionista Mariana Melendez, mestre e doutora em Nutrição Humana da Clínica SIM — Saúde Integrada Multidisciplinar destaca que, no caso das frutas, os benefícios são maiores quando consumidas in natura. “Existem alguns prejuízos importantes quando se consome sucos de fruta, mesmo que naturais, em vez das frutas. As fibras, que contribuem para regular o intestino, controlar colesterol e glicose e conferir saciedade, são destruídas e perdem a função”, exemplifica.
Segundo Melendez, algumas vitaminas, especialmente a C, também podem se perder no processo, porque se oxidam mais facilmente. Por fim, a nutricionista lembra que, para fazer suco, é preciso usar uma quantidade grande de frutas, aumentando o valor calórico. “Um copo de suco de laranja tem de três a quatro unidades da fruta. Talvez se a pessoa comesse uma laranja, ficaria satisfeita e ainda aproveitaria melhor as fibras e nutrientes que ela oferece.” (PO)
Duas perguntas para Raíssa Boaventura, nutricionista do Hospital Anchieta
De que forma avanços na medicina estão ajudando a explorar os benefícios das frutas?
Por meio da biotecnologia, os cientistas identificam e isolam os compostos bioativos presentes nas frutas, como antioxidantes e vitaminas, essenciais para a saúde. Além disso, a engenharia genética permite o desenvolvimento de variedades de frutas com características melhoradas, como maior resistência a doenças, melhor sabor e maior valor nutricional. Esses avanços também possibilitam a realização de estudos mais aprofundados sobre como os componentes das frutas interagem com o nosso organismo, ajudando a entender melhor os efeitos preventivos e terapêuticos que elas podem ter em diversas condições de saúde. Assim, a combinação de genética e medicina está ampliando nosso conhecimento sobre como as frutas podem ser aliadas na promoção da saúde e na prevenção de doenças.
Por que os polifenóis, componentes de algumas frutas, reduzem a síndrome metabólica?
A síndrome metabólica é um conjunto de condições que aumentam o risco de doenças cardíacas, diabetes e outras comorbidades, como aumento de colesterol (dislipidemia). Os polifenóis ajudam a melhorar a sensibilidade à insulina, reduzir a inflamação e melhorar o perfil lipídico, o que pode levar a uma diminuição da gordura abdominal e a um melhor controle da glicose no sangue. Além disso, esses compostos podem ajudar a regular a pressão arterial e a melhorar a função endotelial, contribuindo para a saúde cardiovascular.