Combinação de dois medicamentos simples pode evitar mortes por infarto

Fonte: Correio Braziliense | Seção: Notícias | Imagem: Reprodução Internet | Data: 16/04/2025

Estudo com mais de 36 mil pacientes mostra que a combinação de dois medicamentos simples, acessíveis e com poucos efeitos colaterais usados logo após o infarto, pode evitar milhares de mortes em uma década.

Um tratamento complementar recebido logo após o primeiro infarto pode salvar milhares de vidas, segundo um estudo europeu publicado no Journal of the American College of Cardiology. Com base em dados de 36 mil pacientes atendidos entre 2015 e 2022 no Hospital Universitário de Skane, na Suécia, os pesquisadores concluíram que a combinação de estatinas e ezetimiba — medicamentos e acessíveis usados para reduzir o colesterol “ruim” — ao longo de 12 semanas diminui o risco de um segundo evento cardiovascular e de óbito. Doenças do coração e do sistema circulatório são as que mais matam no mundo. 

Embora o acidente vascular cerebral (AVC) seja a principal causa de morte, o evento cardiovascular mais comum é o infarto do miocárdio. Segundo Carlos Alberto Pastore, cardiologista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), o infarto ocorre devido à insuficiência de sangue oxigenado na região do coração, algo que ocorre quando há bloqueio ou entupimento de uma veia coronária. “A falta de irrigação leva o miocárdio (músculo cardíaco) a entrar em um processo de necrose, podendo resultar em óbito”, explica. 

Nos 12 primeiros meses após o primeiro infarto, o risco de um segundo evento e de morte decorrente é maior porque os vasos sanguíneos estão mais sensíveis, o que facilita a formação de coágulos. Uma das estratégias para evitar a recorrência é reduzir o LDL, o chamado “colesterol ruim”, o que estabiliza as alterações vasculares. Atualmente, as diretrizes globais de tratamento incluem o uso de estatinas de alta potência imediatamente após um ataque cardíaco. Caso o paciente não responda adequadamente, também é receitado o tratamento complementar, com ezetimiba. 

Ineficaz

Porém, segundo Margrét Leósdóttir, professora da Universidade de Lund, na Suécia, e coautora do estudo, muitas vezes, o paciente sofre o segundo infarto ou morre antes de se receitar a terapia complementar. “Essa intensificação do tratamento leva muito tempo, é ineficaz e os pacientes são perdidos”, disse, em nota. “Ao administrar aos pacientes um tratamento combinado mais cedo, podemos ajudar a prevenir muitos outros ataques cardíacos.”

No estudo mais recente, os pesquisadores analisaram os dados de pacientes com ataque cardíaco que receberam uma combinação de estatinas e ezetimiba (dentro de 12 semanas após o infarto), estatinas com ezetimiba adicionada posteriormente (entre 13 semanas e 16 meses) ou apenas estatina. O resultado mostrou que aqueles do primeiro grupo conseguiram reduzir o colesterol para o nível desejado precocemente, tiveram um prognóstico melhor e risco reduzido de novos eventos cardiovasculares ou de óbito, comparado aos demais. 

Para os pesquisadores, muitos novos ataques cardíacos, derrames e mortes poderiam ser prevenidos a cada ano no mundo se a estratégia de tratamento fosse alterada. Em um cenário em que 100% dos pacientes recebessem ezetimiba precocemente, eles estimam que 133 infartos poderiam ser evitados em uma população de 10 mil pacientes em três anos. No Reino Unido, onde ocorrem 100 mil internações por causas cardiovasculares anualmente, isso equivaleria a prevenir 5 mil eventos em uma década, exemplificaram os autores. 

Custos

“No momento, pacientes não estão recebendo esses medicamentos juntos. Isso está causando ataques cardíacos e mortes desnecessárias e evitáveis — e também gera custos desnecessários para os sistemas de saúde”, destaca Kausik Ray, pesquisador da Escola de Saúde Pública do Imperial College London, em Londres, e coautor do estudo. “Nossa pesquisa mostra o caminho a seguir; os caminhos de tratamento devem agora mudar para os pacientes após esse tipo de evento cardíaco”, defende. No Brasil, segundo a Sociedade Brasileira de Cardiologia, 400 mil morrem por ano de doenças cardiovasculares, e o Sistema Único de Saúde (SUS) gasta mais de R$ 1 bilhão anualmente no tratamento de enfermidades do tipo. 

Margrét Leósdóttir esclarece que a terapia combinada não é aplicada, inicialmente, por dois motivos: não consta das diretrizes atuais, e os médicos seguem o princípio de precaução. “Esse princípio é aplicado para evitar efeitos colaterais e excesso de medicação”, explica. “No entanto, há efeitos positivos na aplicação de ambos os medicamentos o mais rápido possível após o infarto. Não fazer isso acarreta um risco aumentado. Além disso, o medicamento que examinamos no estudo causa poucos efeitos colaterais, está prontamente disponível e é barato em muitos países.”

Os autores esperam que o resultado da pesquisa sirvam de embasamento para mudar as recomendações globalmente. Na Suécia, um algoritmo tem sido usado para prescrever o tratamento para o “colesterol ruim” em pacientes que sofreram infarto do miocárdio. Segundo Leósdóttir, observou-se que os níveis desejados da gordura são atingidos mais cedo. “Dois meses após o infarto, o dobro de pacientes reduziu o colesterol ruim para o nível desejado”, relata.

Perguntas para Noara Barros Ribeiro, cardiologista e intensivista, coordenadora da UTI Neurocardiológica do Hospital Anchieta, rede Kora Saúde

Por que há risco elevado de novo episódio nos primeiros 12 meses após um infarto?

Após um infarto agudo do miocárdio, há um aumento do risco de novos eventos cardiovasculares como reinfarto, isquemia recorrente e óbito, principalmente nos primeiros meses a um ano. Esse risco é devido a alterações biológicas que acompanham a síndrome coronariana aguda, como inflamação, disfunção endotelial e de coagulação e podem se elevar a depender de fatores como idade, alterações de enzimas cardíacas, alterações no eletrocardiograma, além da dislipidemia, tabagismo, diabetes, sedentarismo e dieta inadequada.

No Brasil, a combinação dos medicamentos citados no estudo já é prescrita logo após o primeiro infarto?

No Brasil, segundo as últimas diretrizes, ainda não é preconizada a associação de medicamentos de imediato após infarto agudo do miocárdio. A ezetimiba é indicada quando não se alcança a meta de LDL recomendada mesmo após dose máxima de estatina tolerada. Em um paciente classificado como muito alto risco cardiovascular, que inclui aquele pós-infarto agudo do miocárdico, a meta de LDL é menor do que 50mg/dL e de não HDL menor que 80mg/dL. Entretanto, o que se observa no Brasil e no mundo é uma clara ineficiência na prevenção secundária, ou seja, de novos eventos cardíacos, devido, em grande parte, ao controle inadequado do perfil lipídico.

Por que é tão difícil reduzir a mortalidade precoce por doenças cardiovasculares? 

Avançamos cada vez mais no tratamento da doença cardiovascular já estabelecida, porém a prevenção ainda é ineficaz. Soma-se a isso, a falta de adesão ao seguimento e tratamento adequado junto ao cardiologista. Atingir as metas de controle de colesterol é crucial para a redução do risco cardiovascular residual. É frequente o acompanhamento inadequado e até o abandono do tratamento principalmente por aquele paciente que melhora dos sintomas, o que contribui de maneira substancial na elevada taxa de recorrência de eventos cardiovasculares desfavoráveis. Segundo dados do estudo Interheart, nos países da América Latina, como o Brasil, tem-se mais desfechos desfavoráveis, incluindo óbito, possivelmente relacionados a prevenção secundária ineficiente. Sugere-se uma possível redução de até 57% dos infartos com controle adequado do perfil lipídico. Dessa forma, uma estratégia de otimização medicamentosa precoce com a associação de ezetimiba à estatina, parece promissora.

Muita atenção

Além da sensação de aperto ou pressão intensa no peito, que pode irradiar para outras partes do corpo, alguns outros sinais de infarto incluem:

  • Dormência ou formigamento no braço esquerdo;
  • Dor estomacal sem relação com alimentação; 
  • Falta de ar ou respiração ofegante;
  • Dor nas costas; 
  • Tontura, desmaio ou vertigem;
  • Enjoo;
  • Sensação de ansiedade;
  • Fadiga e sonolência;
  • Palpitações;
  • Mal-estar 

Fonte: Carlos Alberto Pastore, diretor médico da Unidade Clínica de Eletrocardiografia do Instituto do Coração do HCFMUSP