Inteligência artificial já pode ter consciência? O que dizem os cientistas

Fonte: BBC News Brasil | Seção: Notícias | Imagem: Reprodução Internet | Data: 26/05/2025 Entro na cabine com alguma apreensão. A qualquer instante, vou ser exposto a uma luz estroboscópica enquanto uma música toca no fundo, tudo parte de um projeto de pesquisa que tenta entender o que nos torna verdadeiramente humanos. É uma experiência que lembra o teste do filme de ficção científica Blade Runner, criado para distinguir humanos de seres criados artificialmente que se passam por humanos. Será que eu poderia ser um robô do futuro e não saber? Passaria no teste? Os pesquisadores me garantem que não é disso que se trata o experimento. O dispositivo que eles chamam de “máquina dos sonhos” foi projetado para estudar como o cérebro humano gera nossas experiências conscientes do mundo. É como pular em um caleidoscópio, com triângulos, pentágonos e octógonos em constante mudança. As cores são vivas, intensas e em constante mudança: tons de rosa, magenta e turquesa, brilhando como luzes de neon. A “máquina dos sonhos” traz a atividade interna do cérebro à tona com luzes piscantes com o objetivo de explorar como nossos processos de pensamento funcionam. As imagens que vejo são exclusivas do meu mundo interior e únicas para mim, de acordo com os pesquisadores, que acreditam que esses padrões podem lançar luz sobre a própria consciência. Eles me ouvem sussurrar: “É lindo, absolutamente lindo. É como voar pela minha própria mente!” A “máquina dos sonhos”, no Centro de Ciência da Consciência da Universidade de Sussex, é apenas um dos muitos novos projetos de pesquisa ao redor do mundo que investigam a consciência humana: a parte de nossas mentes que nos permite ter autoconsciência, pensar, sentir e tomar decisões independentes sobre o mundo. Ao aprender sobre a natureza da consciência, os pesquisadores esperam entender melhor o que está acontecendo dentro dos cérebros de silício da inteligência artificial. Alguns acreditam que os sistemas de IA em breve se tornarão conscientes de forma independente, se é que ainda não o são. Mas o que realmente é consciência e quão perto a IA está de obtê-la? E a crença de que a IA pode ser consciente pode mudar fundamentalmente os humanos nas próximas décadas? Da ficção científica à realidade A ideia de máquinas com mentes próprias tem sido explorada há muito tempo na ficção científica. As preocupações com a IA remontam a quase cem anos, ao filme Metrópolis, no qual um robô se passa por uma mulher real. O medo de que as máquinas se tornassem conscientes e representassem uma ameaça aos humanos foi explorado no filme 2001: Uma Odisseia no Espaço, de 1968, quando o computador HAL 9000 tentou matar astronautas a bordo de sua nave espacial. E no último filme Missão Impossível, que acaba de ser lançado, o mundo é ameaçado por uma poderosa IA desonesta, descrita por um personagem como um “parasita digital autoconsciente, autodidata e devorador de verdades”. No mundo real, contudo, muito recentemente houve uma rápida mudança no pensamento sobre a consciência das máquinas — especialistas começaram a expressar preocupação de que isso não seja mais coisa de ficção científica. A mudança repentina foi motivada pelo sucesso dos chamados grandes modelos de linguagem (LLMs, na sigla em inglês), que podem ser acessados por meio de aplicativos como Gemini e Chat GPT. A capacidade da última geração dos LLMs de ter conversas plausíveis e fluidas surpreendeu até mesmo seus criadores e alguns dos principais especialistas da área. Há uma visão crescente entre alguns pensadores de que, à medida que a IA se torna ainda mais inteligente, as luzes se acenderão repentinamente dentro das máquinas e elas se tornarão conscientes. Outros, como o professor Anil Seth, que lidera a equipe da Universidade de Sussex, discordam, descrevendo a visão como “cegamente otimista e motivada pelo excepcionalismo humano”. Associamos consciência à inteligência e à linguagem porque elas andam juntas nos humanos. Mas só porque andam juntas em nós, não significa que andem juntas em geral, por exemplo, nos animais. Então, o que é realmente consciência? A resposta curta é que ninguém sabe. Isso fica claro pelos argumentos bem-humorados, porém robustos, da própria equipe do professor Seth, composta por jovens especialistas em IA, especialistas em computação, neurocientistas e filósofos, que estão tentando responder a uma das maiores questões da ciência e da filosofia. Embora existam muitas visões diferentes no centro de pesquisa da consciência, os cientistas estão unidos em seu método: dividir esse grande problema em muitos outros menores em uma série de projetos de pesquisa, que inclui a “máquina dos sonhos”. Assim como a busca pela “centelha de vida” que poderia dar vida a objetos inanimados foi abandonada no século 19 em favor da identificação de como partes individuais dos sistemas vivos funcionavam, a equipe de Sussex agora está adotando a mesma abordagem para a consciência. Eles esperam identificar padrões de atividade cerebral que expliquem várias propriedades de experiências conscientes, como mudanças em sinais elétricos ou fluxo sanguíneo para diferentes regiões. O objetivo é ir além da busca por meras correlações cerebrais entre atividade e consciência e tentar encontrar explicações para seus componentes individuais. O professor Seth, autor do livro sobre consciência Being You (“sendo você”, em tradução literal), teme que possamos estar nos precipitando em uma sociedade que está sendo rapidamente remodelada pelo ritmo acelerado das mudanças tecnológicas sem conhecimento suficiente sobre a ciência ou reflexão sobre as consequências. “Entendemos isso como se o futuro já estivesse escrito; que há uma marcha inevitável para uma substituição sobre-humana”, diz ele. “Não tivemos essas conversas o suficiente com o surgimento das mídias sociais, para nosso prejuízo coletivo. Mas com a IA, ainda não é tarde demais. Podemos decidir o que queremos.” Já existe consciência na inteligência artificial? Alguns no setor de tecnologia acreditam que a IA em nossos computadores e telefones pode já estar consciente e que, por isso, devemos tratá-la como tal. O Google suspendeu o engenheiro de software Blake Lemoine em 2022 após ele argumentar que chatbots de inteligência artificial podiam sentir e potencialmente sofrer. Em novembro de 2024, um responsável pelo bem-estar da IA da Anthropic, Kyle Fish, foi coautor de um relatório sugerindo que a consciência da
A maratonista de 77 anos que a ciência estuda para entender como envelhecer melhor

Fonte: BBC News Brasil | Seção: Notícias | Imagem: Reprodução Internet | Data: 06/05/2025 “Idade?”, questiona Jeannie Rice, com um sorriso. “A idade é só um número.” Ela havia disputado a maratona de Boston, nos Estados Unidos, dias antes de conversar com a BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC. E, agora, ela tem mais três provas à sua frente. Mas, além destes eventos, a atleta de elite de 77 anos de idade tem outro “grande objetivo”. “Espero me manter saudável para, quando tiver 80 anos, ainda conseguir correr uma boa maratona“, afirma ela. Rice já quebrou recordes mundiais na categoria feminina entre 75 e 79 anos, em distâncias que variam dos 1,5 mil metros até a maratona. Ela chegou a superar os homens vencedores em algumas corridas na mesma categoria de idade. Seu desempenho esportivo chamou a atenção de uma equipe de pesquisadores, que pediu a ela que participasse de um estudo científico. “O incrível nos seus dados é que seu VO2 máximo, provavelmente, é mais alto do que o de mulheres de 25 anos”, segundo o pesquisador Michele Zanini, da Faculdade de Esportes, Exercícios e Ciências da Saúde da Universidade de Loughborough, no Reino Unido. O VO2 máximo é a maior quantidade de oxigênio que pode ser absorvida, usada e transportada pelo corpo ao realizar uma atividade física. Ele é considerado indicador do rendimento aeróbico. Zanini é um dos autores do estudo. Ele conta que Rice passou por uma série de testes, seis dias depois de participar da maratona de Londres, em 2024. “Ela havia acabado de bater o recorde mundial na sua categoria”, explica o pesquisador. “Por isso, foi um momento muito bom para que entendêssemos como seu corpo se desenvolve.” Os pesquisadores se concentraram nos “fatores fisiológicos determinantes do rendimento excepcional” da atleta. Mas Rice garante que não se sente diferente dos demais corredores. Correndo há mais de 40 anos Rice nasceu na Coreia do Sul e emigrou para os Estados Unidos. Ela tem dois filhos, um com 52 e outro com 50 anos de idade. A atleta começou a correr quando tinha 35 anos, para perder alguns quilos que havia ganhado nas férias. “Comecei a trotar em volta da quadra, até que, sem perceber, estava correndo distâncias cada vez mais longas.” Primeiro, foram 3,4 km, depois 8 km. Rice decidiu entrar em um clube de corredores da sua comunidade. Junto com eles, ela treinou e se inscreveu na sua primeira corrida: a maratona de Cleveland, nos Estados Unidos, em 1983. “Corri em 3 horas e 45 minutos”, relembra ela. “Ali, fiquei sabendo que poderia fazê-lo e, por isso, comecei a treinar um pouco mais forte.” Depois, veio a maratona de Columbus, no Estado americano de Ohio. Rice completou a prova em 3 horas e 16 minutos, garantindo sua classificação para a maratona de Boston. “Ali, me apaixonei. Desde então, não parei de correr maratonas”, ela conta. Seus triunfos se traduziram em cada vez mais corridas, dentro e fora dos Estados Unidos. “Não se tratava mais de correr em uma prova”, segundo ela, “mas também da emoção de viajar para outro país.” O primeiro recorde mundial Rice já correu mais de 130 maratonas. Ela conta que estabeleceu seu primeiro recorde mundial com 70 anos de idade, na maratona de Chicago, em 2018. “O recorde anterior tinha cinco anos”, relembra ela, “e bater aquela marca foi muito importante para mim.” “Em 2019, fui a Berlim [na Alemanha] e quebrei meu próprio recorde em três minutos: 3 horas e 24 minutos. Tenho certeza de que alguém logo irá batê-lo.” Rice estabeleceu este recorde na categoria de 70 a 74 anos de idade. Em 2023, na maratona de Chicago, nos Estados Unidos, ela conseguiu um novo recorde na categoria de 75 a 79 anos. “E, no ano passado, bati o recorde da maratona de Londres”, ela conta. Agora, Rice tem em vista a maratona de Sydney, na Austrália, que irá ocorrer em agosto. “Estou trabalhando para tentar quebrar meu próprio recorde.” Toda semana, ela corre cerca de 80 km, em um regime de treinamento de seis dias por semana. “Estou sempre pronta porque corro ao longo de todo o ano”, ensina Rice. Quando a ciência bate à porta O campeão da maratona de Boston de 1968, Amby Burfoot, é reconhecido como especialista nesta questão. Sua vasta experiência como corredor da maratona é complementada pela sua carreira como escritor e jornalista. “Observamos as atuações de Jeannie e ela correu mais rápido que qualquer outra mulher de 75 anos [de que se tenha registro]”, declarou ele à BBC. Burfoot entrou em contato com o professor de Nutrição e Ciências do Desenvolvimento Bas Van Hooren, da Universidade de Maastricht, na Holanda. “Ele me recomendou que analisasse Jeannie, porque sabe que fiz estudos com homens atletas da categoria máster”, contou Van Hooren à BBC News Mundo. “Ele me disse que ela também está quebrando recordes mundiais nesta divisão e me pareceu muito interessante, já que não havíamos realizado estudos com mulheres.” Quando soube que Rice viajaria para Londres, o pesquisador ligou para seu colega Michele Zanini e eles fizeram contato com a atleta. “Fiquei muito lisonjeada quando eles me pediram para participar”, relembra Rice. Ela tinha 76 anos na época do estudo. “Explicamos o que pretendíamos fazer e o que poderíamos oferecer, em termos de ideias para treinar melhor, que é o que você normalmente obtém depois de passar por um teste fisiológico”, relembra Zanini. Mas este estudo vai muito além de Rice. Seu rendimento também esclarece como podemos envelhecer de forma saudável. No laboratório Os pesquisadores pediram à atleta que corresse em uma máquina, “como faz habitualmente” durante seus treinamentos. Zanini destaca que eles se concentraram principalmente em medir sua capacidade aeróbica e calcular seu rendimento. “Tudo é feito em função de três parâmetros observados na absorção máxima de oxigênio, ou seja, na quantidade máxima de oxigênio que uma pessoa pode utilizar”, explica Zanini. “Isso nos permite avaliar a economia do exercício e a economia da corrida, ou seja, como esse oxigênio se traduz em velocidade e nos limites fisiológicos.” Em outras palavras, quanto
As pessoas que ‘enxergam’ línguas estrangeiras

Fonte: BBC Brasil | Seção: Notícias | Imagem: Reprodução Internet | Data: 13/04/2025 O nome da minha mãe é da cor do leite. As cordas de uma guitarra acústica, quando dedilhadas, tocam o amarelo forte do favo de mel. O som é plano, duro ou macio. E segunda-feira é cor-de-rosa. Estas sensações são sempre as mesmas e estão sempre presentes. Trata-se da sinestesia – no meu caso, sinestesia grafema-cor, sinestesia som-cor e sinestesia auditiva-tátil. Como ocorre com muitas pessoas sinestésicas, descobri ainda jovem que eu tinha talento para a música e os idiomas. Na música, eu não me destacava no ato físico de me apresentar, mas sim na composição. Eu me tornei compositora para filmes curtos e dança teatral, além de editora de sons para televisão. Para mim, escrever música se parecia muito com um idioma, já que eu “via” as cores dos sons de forma parecida. Também estudei francês, alemão, espanhol e linguística – e a cor dos idiomas me ajuda a lembrar as palavras e os padrões gramaticais. A sinestesia é um fenômeno neurológico que faz com que cerca de 4,4% das pessoas vivenciem o mundo como uma cacofonia de sensações. Foram identificados cerca de 60 tipos diferentes de sinestesia, mas pode haver mais de 100 e alguns tipos são vivenciados de forma conjunta. Acredita-se que esta condição seja causada por características genéticas hereditárias que afetam o desenvolvimento estrutural e funcional do cérebro. O aumento da comunicação entre regiões sensoriais do cérebro significa, por exemplo, que as palavras podem estimular o paladar, sequências de números podem ser percebidas em disposições espaciais ou a sensação das texturas pode desencadear emoções. A sinestesia não é considerada um distúrbio neurológico. Ela está relacionada a condições de saúde mental e desenvolvimento neurológico, incluindo autismo, ansiedade e esquizofrenia. Mas ela é descrita como “realidade perceptiva alternativa”, geralmente considerada benéfica. “Quando eu era mais jovem, sabia que observava o mundo de um jeito diferente e minha forma de descrever aquilo para os outros era ‘colorida’”, conta Smadar Frisch. Frisch tem sinestesia grafema-cor, sinestesia som-cor e sinestesia léxico-gustativa, que faz as palavras terem sabor. Ela explora o mundo dos sentidos no seu podcast, Chromatic Minds (“Mentes cromáticas”, em tradução livre). E, no momento, está escrevendo seu primeiro livro sobre o tema. “Aprender na escola era demais para mim, em termos sensoriais”, ela conta. “É muito difícil tentar solucionar uma equação quando toda a coloração de uma série de números era uma explosão psicodélica.” Este jato de cores, segundo Frisch, pode fazer com que ela perca o foco e esqueça o que está fazendo. “[Era o] mesmo com a linguagem”, ela conta. “As cores, músicas e sensações de paladar das palavras me inflamavam e eu queria tanto me expressar, que perdia o foco.” Somente quando havia quase terminado o ensino médio, ela conheceu o livro de Richard Cytowic e David Eagleman, Wednesday is Indigo Blue (“Quarta-feira é azul índigo”, em tradução livre). “Minha ideia inicial era que quarta-feira, na verdade, é laranja”, conta Frisch. “E eu precisava conseguir este livro.” Para ela, foi uma reviravolta. “Finalmente compreendi como o meu cérebro sinestésico é ligado e conectado. E pensei comigo mesma como este fenômeno é incrível. Posso usar as cores para me ajudar a aprender, em vez de me confundir.” Frisch desenvolveu um sistema de codificação por cores para ajudá-la a aprender novos idiomas de forma rápida e fluente. Estudar idiomas não parecia mais algo confuso, mas sim “organizado”, segundo ela. “E funcionou! Meu mundo inteiro mudou. Fui aprender aquilo em que o meu cérebro estava destinado a se destacar: idiomas.” Frisch conta que conseguiu aprender francês e espanhol até chegar ao nível avançado em apenas dois meses. “Tive nota 90+ em cada exame [de francês e espanhol]”, afirma ela. Estes exames fizeram parte do seu Te’udat Bagrut, a qualificação obtida em Israel ao término do ensino médio. Frisch conta que, atualmente, sabe falar sete idiomas com fluência – e que pode aprender qualquer idioma que quiser, “sem dificuldade e em pouco tempo”. Julia Simner é diretora do laboratório de Pesquisa sobre Sinestesia Multissensorial da Universidade de Sussex, no Reino Unido. Ela e sua equipe examinaram cerca de 6 mil crianças com seis a 10 anos de idade. “Selecionamos cada um individualmente para determinar a sinestesia e, em seguida, oferecemos [a eles] uma bateria de testes para determinar quais técnicas são favorecidas por esta particularidade”, explica ela. O estudo concluiu que as crianças com sinestesia obtiveram melhores resultados em uma série de técnicas do que as crianças que não vivenciam o fenômeno. E estas técnicas, segundo Simner, “certamente auxiliam o aprendizado do primeiro e segundo idiomas”. “Especificamente, elas apresentaram desempenho significativamente melhor em vocabulário receptivo (quantas palavras elas conseguiam entender), vocabulário produtivo (quantas palavras elas sabiam dizer), armazenamento de memória de curto prazo, atenção aos detalhes e criatividade”, afirma ela. “Estas técnicas relacionadas à sinestesia indicam que podemos esperar que o aprendizado de um segundo idioma seja mais fácil para alguém com sinestesia.” Simner explica que ter cores sinestésicas torna as letras mais fáceis de serem memorizadas. E as cores da sinestesia podem passar de um idioma para outro, fazendo com que as palavras no segundo idioma também sejam memorizadas com mais facilidade. “Essas cores podem migrar entre os idiomas pela aparência ou pelo som das letras”, explica Simner. “É como se a cor se transferisse de um idioma para outro.” Caleidoscópio de palavras Em 2019, outro experimento liderado pelos psicólogos da Universidade de Toronto, no Canadá, descobriu a sinestesia grafema-cor. Nela, cada letra ou número possui sua própria cor distinta, fornecendo uma vantagem significativa de aprendizado estatístico – a possibilidade de que a pessoa “veja” padrões, o que é uma capacidade fundamental para o aprendizado de idiomas. Os pesquisadores pediram aos participantes que ouvissem um conjunto de palavras sem sentido, como “mucá” e “beô”. Elas representavam um idioma “artificial”. Em seguida, eles ouviram um segundo conjunto de palavras, que incluía as palavras artificiais originais e novas palavras artificiais que representavam um idioma “estrangeiro”. E foi pedido aos participantes que diferenciassem as “palavras” de cada um dos dois idiomas artificiais. “Não havia significado”, explica a psicóloga Amy Finn, diretora
O estudo pioneiro que tenta ‘desligar’ a artrite reumatoide

Fonte: Correio Braziliense | Seção: Notícias | Imagem: Reprodução Internet | Data: 27/03/2025 Ao ‘retreinar’ as células do sangue, os cientistas acreditam que são capazes de ‘desligar’ a artrite reumatoide. Pacientes estão participando de um ensaio clínico que os cientistas esperam que possa levar à cura da artrite reumatoide. O estudo AuToDeCRA-2 busca provar que é possível treinar “comandantes” de glóbulos brancos — chamados de “generais” do sistema imunológico — para ordenar que outras células “soldados” parem de atacar tecidos saudáveis. O professor de reumatologia clínica John Isaacs, que estuda a condição há 35 anos e está liderando a pesquisa, acredita que isso poderia tornar possível “desligar” a artrite reumatoide. Participante do estudo, Carol Robson, de Jarrow, na Inglaterra, diz que a pior parte de viver com a doença é a dor — mas se a pesquisa ajudar a aliviar o sofrimento, “vai ser maravilhoso”. O estudo, financiado pela instituição beneficente Versus Arthritis e pela Comissão Europeia, está sendo conduzido pela Universidade de Newcastle e pelo Hospital Universitário de Newcastle. “É pioneiro”, afirma Isaacs, que dá aula na Universidade de Newcastle. “Há apenas um ou dois outros grupos no mundo fazendo um trabalho semelhante.” Treinar ‘generais’ para manter a calma Neste estudo mais recente, agora em sua segunda fase, determinadas células são isoladas do sangue de um paciente. Isaacs explica que há diferentes tipos de células que se unem, como um Exército de soldados, para atacar uma infecção ou doença. Elas recebem instruções dos glóbulos brancos conhecidos como células dendríticas, às quais ele se refere como os “generais” do sistema imunológico. Quando estes generais percebem o perigo, ficam agitados e enviam o sinal de ataque, mas quando não há perigo detectado, eles permanecem calmos, e instruem o Exército a ignorar os tecidos saudáveis. Quando isso dá errado, causa doenças como a artrite reumatoide. Ao longo de uma semana, os glóbulos brancos do paciente são cultivados em laboratório e treinados para se parecerem com os generais “calmos”, de modo que, quando devolvidos ao paciente, eles comandam os soldados para que parem de atacar suas articulações. “Com o tempo, este tratamento pode proporcionar benefícios significativos para as pessoas que sofrem de artrite reumatoide, ‘desligando’ a doença”, explica Isaacs. Entre as cerca de 450 mil pessoas na Inglaterra que vivem com a condição, está a ex-enfermeira Robson, de 70 anos. Ela acorda todas as manhãs com dor. Antes de ser diagnosticada, ela colocava as mãos em pacotes de ervilhas congeladas na tentativa de encontrar algum alívio. Atualmente, ela toma medicamentos imunossupressores, que, segundo ela, ajudam um pouco, mas desde que recebeu a injeção de glóbulos brancos “treinados”, acredita que está sentindo menos dor. “Será que é por que eu quero muito que funcione? Mas, realisticamente, acho que está melhor”, diz ela. “Se este estudo conseguir ‘desligar’ a artrite reumatoide, vai ser maravilhoso.” “É um privilégio fazer parte de algo que é, na verdade, um grande avanço — se der certo.” O resultado da pesquisa em Newcastle está sendo amplamente monitorado, à medida que pode ter implicações enormes para os 18 milhões de pacientes com artrite reumatoide ao redor do mundo. Isaacs afirma que, se for bem-sucedido, o estudo também pode ter implicações para outras doenças autoimunes, como diabetes ou esclerose múltipla. “Trata-se de uma área de pesquisa que descrevemos como reeducação do sistema imunológico.” Os dois primeiros ensaios clínicos são pequenos — no total, cerca de 32 pacientes foram envolvidos — e mais pesquisas são necessárias, mas se apresentar sinais de sucesso, outro estudo maior será realizado. Mesmo que tudo saia como planejado e o tratamento demonstre reeducar o sistema imunológico, ainda pode levar de cinco a dez anos para que os pacientes tenham acesso a ele. Mas Isaacs, que dedica sua carreira à condição, afirma que ele e sua equipe ficariam imensamente orgulhosos por terem desenvolvido o tratamento.
Qual a diferença entre solidão e solitude? E por que ficar sozinho pode fazer bem à saúde

Fonte: Correio Braziliense | Seção: Notícias | Imagem: Reprodução Internet | Data: 21/03/2025 O mundo enfrenta uma perigosa epidemia de solidão, mas a solitude pode ser altamente benéfica. Descubra como aproveitar o tempo livre para si, sem socialização. Por um lado, a solidão é considerada uma epidemia, com efeitos comparáveis a fumar 15 cigarros por dia. Por outro, em um mundo cheio de informações e interações sociais, ficar sozinho por um tempo pode ser uma coisa boa para a saúde mental. Mas como você pode equilibrar o isolamento com um tempo para si? Frankenstein, de Mary Shelley, discute a rejeição e o isolamento de um monstro criado durante um esforço científico. A pintura O Grito, feita por Edward Munch, retrata um homem desesperado que parece agonizar sem uma única pessoa para apoiá-lo. Na música Eleanor Rigby, os Beatles observam “as pessoas solitárias” e questionam “de onde elas vêm”. Esses são apenas três exemplos de como as ideias de solidão e de solitude são tópicos populares em todas as formas de arte — e têm um enorme impacto na sociedade e em como nos sentimos nas interações sociais. É inegável que esse assunto ganhou ainda mais relevância na última década. Em 2023, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a solidão uma “preocupação global de saúde pública” e lançou um comitê internacional para lidar com essa questão. Porém, ao mesmo tempo, somos constantemente inundados por mensagens, e-mails, notificações de mídia social e outras informações que podem ser opressivas — e reforçam a necessidade de ficar sozinho por um tempo. É possível evitar a solidão e se sentir conectado a uma comunidade por meio de interações significativas, e ainda ter espaço para a solitude e momentos de autorreflexão? A BBC fez essas questões para especialistas e pesquisadores — e eles também compartilharam algumas dicas práticas para atingir esse equilíbrio em nossas vidas diárias, como você confere a seguir. A diferença entre solitude e solidão A solidão é uma “emoção subjetiva e desagradável” que surge quando você sente “uma baixa qualidade nos relacionamentos sociais em relação ao que gostaria de ter”, explica Andrea Wigfield, diretora do Centro de Estudos da Solidão da Universidade Sheffield Hallam, no Reino Unido. Especialistas sugerem que a solidão aparece quando você sente que a qualidade de seus relacionamentos pessoais é pior do que deseja. Ou, ao comparar os relacionamentos que tem com os de colegas, se sente insatisfeito porque as suas amizades parecem mais fracas e desinteressantes. Enquanto uma pessoa isolada pode rapidamente se tornar solitária, também é verdade que é possível se sentir sozinho no meio de uma multidão. A sensação de que você não pertence — ou de que a qualidade de suas conexões não é forte o suficiente — pode rapidamente levar a essa emoção subjetiva e desagradável, alerta a professora Wigfield. Embora seja um problema antigo, a solidão se tornou um desafio para milhões durante os lockdowns prolongados e o distanciamento social obrigatório da pandemia de covid-19. Isso deixou muitas pessoas isoladas em casa. Já a solitude, por outro lado, é mais um estado temporário e pode trazer um momento bem-vindo de tranquilidade. Trata-se de um período em que você está fisicamente só e não interage com ninguém nas redes sociais, explica a psicóloga Thuy-Vy Nguyen, pesquisadora do Laboratório de Solitude da Universidade de Durham, no Reino Unido. O que a solidão faz com o corpo? A solidão faz mal à saúde. Um estudo recente da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, revelou uma associação entre o isolamento social e o aumento do risco de doenças cardíacas, AVC, diabetes tipo 2 e até uma maior suscetibilidade a infecções. Wigfield acrescenta que também há evidências crescentes de que a solidão pode levar à demência, depressão, ansiedade e um risco elevado de morrer por todas as causas. O que está por trás dessa ligação ainda não está claro. Os médicos acreditam que isso acontece por causa de um aumento do estresse no corpo e à falta de estimulação cognitiva relacionada ao isolamento — o que piora as condições de saúde mental. A OMS estima que uma em cada quatro pessoas mais velhas esteja socialmente isolada e entre 5 e 15% dos adolescentes enfrentam a solidão. Além da idade, grupos específicos também correm maior risco de se tornarem solitários. É o caso de imigrantes, minorias étnicas, refugiados, pessoas da comunidade LGBTQ+, cuidadores e pessoas com condições de saúde crônicas. Como superar a solidão? Nos últimos anos, vários governos lançaram iniciativas para enfrentar a epidemia de solidão. O tema ganhou relevância na agenda política à medida que os custos milionários desse fenômeno para serviços de saúde, previdência social e a economia se tornaram evidentes. Pesquisas mostram que o voluntariado pode ser uma estratégia de prevenção eficaz nesse contexto. Em Hong Kong, um teste com 375 voluntários que prestavam serviços à comunidade local destacou que doar o tempo livre para uma causa em que você acredita pode aliviar a solidão, especialmente em adultos mais velhos. Enquanto isso, países como Austrália e Holanda adotam uma abordagem diferente, ao investir e incentivar a troca intergeracional. Gerações mais velhas e mais novas são encorajadas a se reunir em espaços compartilhados, como centros comunitários ou blocos habitacionais com áreas comuns. Há também a prática crescente de “prescrição social” por médicos no Reino Unido. A ideia é, em vez de indicar medicamentos, encaminhar pacientes que estão extremamente isolados para serviços e atividades que conectam as pessoas — como encontros em cafés e bares, aulas de artesanatos ou outros eventos sociais. A psiquiatra da infância e adolescência Holan Liang explica, de uma perspectiva social, desenvolver comunidades tolerantes que colaboram — onde todos têm um lugar e um propósito — é outra estratégia eficaz. “Sempre verificar como as pessoas ao redor estão, promover a gentileza e ajudar os outros previne a solidão”, diz Liang, que também é autora do livro A Sense of Belonging (“Senso de Pertencimento”, em tradução livre). Do ponto de vista individual, especialistas disseram à BBC que todos devem ficar de olho no nível de satisfação e na qualidade de seus próprios relacionamentos e amizades. Vale ficar atento aos sinais de solidão — como sentimentos persistentes de tristeza e
7 formas cientificamente comprovadas de dormir melhor

Fonte: BBC News Brasil | Seção: Notícias | Imagem: Reprodução Internet | Data: 19/03/2025 Em uma manhã típica durante a semana, você começa a se mexer na cama. A luz entra pela janela e o canto dos pássaros anuncia que talvez esteja na hora de se levantar… mas não pode ser! Surge então aquela conhecida sensação de pavor, após uma noite agitada e mal dormida. Em todo o mundo, as pessoas enfrentam dificuldades com a falta de sono. Estima-se que 50 a 70 milhões de pessoas experimentem esta provação, somente nos Estados Unidos. E, em escala global, a falta de sono já foi chamada de epidemia. Mas existem alguns ajustes simples, físicos e psicológicos, que poderão ajudar a melhorar a qualidade do seu sono. Este é o nosso guia para ter um sono delicioso e restaurador, inspirado pelas pesquisas científicas mais recentes e por alguns costumes históricos esquecidos há muito tempo. 1. Dormir em dois turnos Quando as pessoas acordam no meio da noite, hoje em dia, é comum que elas entrem em pânico. Afinal, nós costumamos acreditar que devemos dormir por oito horas contínuas. Mas nem sempre foi assim. Por milênios, as pessoas tinham um primeiro sono curto e acordavam em seguida. Estes pequenos intervalos do sono eram ocupados por uma infinidade de atividades, como os afazeres domésticos ou fofocas no escuro – e, eventualmente, até algum assassinato. Depois de cerca de duas horas, as pessoas voltavam para a cama e dormiam novamente, até amanhecer. Esta é a antiga prática esquecida de “dois turnos de sono”, redescoberta nos anos 1990 pelo professor de história Roger Ekirch, do Instituto Politécnico e Universidade Estadual da Virgínia, nos Estados Unidos. Ele acredita que o conhecimento sobre a prevalência histórica do sono bifásico poderá ajudar as pessoas que sofrem de insônia atualmente a repensar suas experiências – e, talvez, reduzir sua ansiedade ao acordar no meio da noite. A reportagem sobre o antigo hábito de dormir em dois turnos está disponível em português neste link. 2. Varie seu sono conforme as estações Quando chega a primavera, talvez você perceba que precisa de menos sono e ache mais fácil levantar da cama pela manhã. Pesquisas demonstram que nós precisamos de mais sono durante os meses frios e escuros do inverno do que durante o verão. Isso ocorre porque os seres humanos vivem o sono de forma sazonal. Um estudo alemão concluiu que, no hemisfério norte, as pessoas têm sono REM mais longo em dezembro (quando é inverno, na Alemanha) do que em junho, no verão europeu. E o mesmo acontece com o sono profundo. O sono REM é o estágio mais ativo do sono, quando ocorrem os sonhos e nossos batimentos cardíacos aumentam. Já o sono profundo é o período em que o corpo repara os músculos e os tecidos. Ele é importante para a consolidação da memória de longo prazo. A reportagem sobre a sazonalidade do sono humano está disponível em português neste link. 3. Tente tirar uma soneca Em muitos países, a siesta é um ritual diário. E pesquisas indicam que sonecas regulares fazem bem para a saúde. Um estudo de 2023 indicou que o hábito de cochilar ajuda a manter os nossos cérebros maiores por mais tempo. As sonecas também podem retardar o envelhecimento cerebral em três a seis anos. O menor volume cerebral já foi relacionado a doenças como a demência vascular e o mal de Alzheimer. Existem também benefícios de curto prazo. Sonecas curtas, de não mais de 15 minutos, podem melhorar imediatamente o nosso desempenho mental, com resultados que duram até três horas depois que acordamos. O segredo dos “supercochilos“ é que eles sejam curtos – depois de 20 minutos, começamos a entrar em sono profundo. E cuide para fazer a soneca no meio da tarde, para não prejudicar seu sono noturno. A reportagem sobre os supercochilos está disponível em português neste link. 4. Cuidado com o perigo das microssonecas Nem todas as sonecas nos fazem bem. Algumas duram poucos segundos – e esses microcochilos podem resultar em sérios prejuízos, quando estamos ao volante. Uma análise das filmagens de câmeras veiculares de 52 motoristas de caminhão de uma única empresa japonesa de transporte concluiu que 75% deles mostraram sinais de microssonecas antes de se envolverem em colisões. Os microcochilos são mais comuns entre as pessoas que sofrem de narcolepsia ou que não dormem o suficiente à noite. Um estudo descobriu que pessoas que dormiram por apenas seis horas por noite em um período de 14 dias consecutivos apresentaram a mesma quantidade de microssonecas do que aquelas que perderam uma noite de sono inteira. Por isso, se você vem tirando microcochilos regularmente, este provavelmente é um sinal de que você não está dormindo o suficiente. A reportagem sobre as microssonecas está disponível em português neste link. 5. Fique confortável e aconchegado Quando nos aninhamos na cama para passar a noite – especialmente se dormirmos acompanhados apenas de um bom podcast – talvez nos perguntemos por que é tão frio embaixo das cobertas, ou mesmo um tanto solitário. Historicamente, ter sua própria cama era muito incomum. Querendo ou não, a maioria das pessoas precisava compartilhar a cama com outras pessoas. E não estamos falando apenas dos irmãos na infância, ou como um casal. Até o século 19, a maioria das pessoas dormia rotineiramente de forma comunitária, ao lado de amigos, colegas e até de totais estranhos. Um bom companheiro de cama oferecia calor e conversas até as primeiras horas da manhã, ainda que você talvez precisasse relevar seu hálito matinal. A reportagem sobre o antigo hábito de compartilhar a cama está disponível em português neste link. 6. Procure qualidade, não quantidade A quantidade de sono de que precisamos pode variar de uma pessoa para outra. A maior parte das recomendações indica entre sete e nove horas. Mas a duração é apenas uma parte da equação. A qualidade do sono tem importância igual ou maior. Muitos de nós já teremos nos sentido menos recuperados após uma noite agitada, nos revirando na cama. Isso acontece, em parte, porque, quando dormimos, o nosso cérebro é inundado pelo fluido cerebroespinhal, que retira resíduos
Cientistas apostam em nova terapia para combater o Parkinson

Fonte: Correio Braziliense | Seção: Notícias | Imagem: Reprodução Internet | Data: 14/03/2025 Pesquisa revela que a chave para o tratamento pode se concentrar em medicações que consigam alterar o PINK1, uma proteína que regula o funcionamento das células danificadas ou disfuncionais, podendo interromper ou retardar a evolução da doença. Cientistas do Instituto de Pesquisa Walter e Eliza Hall, na Austrália, fizeram uma descoberta que pode abrir novas possibilidades no tratamento da doença de Parkinson. A equipe desvendou detalhes cruciais sobre o PINK1, uma proteína fundamental no processo de mitofagia — processo celular que remove mitocôndrias danificadas ou disfuncionais — que pode ser chave para o desenvolvimento de terapias para interromper ou retardar a progressão da condição. Um estudo publicado, recentemente, na revista Cell Reports mostrou que variantes do gene ITSN1 estão associadas a um risco significativamente elevado de doença de Parkinson, condição neurodegenerativa que afeta quase 2% dos adultos com mais de 65 anos. A pesquisa, liderada por uma equipe internacional de cientistas, pode ajudar na criação de tratamentos para retardar ou prevenir a evolução do Parkinson. O ITSN1 tem um papel crucial na transmissão sináptica — forma como os neurônios enviam mensagens uns aos outros —, o que o torna muito relevante para o Parkinson, doença em que a interrupção dos sinais nervosos leva aos sintomas, como marcha e equilíbrio ruins, tremores e rigidez. Sylvie Callegari, pesquisadora sênior do instituto e principal autora do estudo, destacou que o PINK1 opera em quatro estágios. As duas primeiras etapas, até então desconhecidas, dão novos entendimentos sobre como essa proteína atua nas células. A descoberta pode ser um marco no entendimento do Parkinson e na criação de tratamentos direcionados. “Nosso estudo revela várias novas maneiras de modificar o PINK1, essencialmente ativando-o, o que pode transformar a vida das pessoas com Parkinson”, afirmou Callegari. O processo descrito no estudo começa com o PINK1 identificando mitocôndrias danificadas dentro das células. Em seguida, ele se liga a essas mitocôndrias prejudicadas e marca-as com uma proteína chamada ubiquitina. Isso, por sua vez, ativa a ligação com a proteína Parkin, que facilita a remoção e reciclagem das mitocôndrias defeituosas. “Pela primeira vez, observamos o PINK1 humano ancorado na superfície das mitocôndrias danificadas, revelando uma surpreendente variedade de proteínas que atuam como pontos de ancoragem. Além disso, identificamos como as mutações no PINK1, presentes em pessoas com Parkinson, afetam o funcionamento dessa proteína”, detalhou a líder da pesquisa. Para os cientistas, a importância dessa descoberta não pode ser subestimada. Embora a ideia de usar o PINK1 como alvo para terapias medicamentosas já tenha sido discutida por anos, ainda não se sabia tanto sobre a estrutura do PINK1 e como ele se conecta às mitocôndrias danificadas. Com essa nova compreensão, os pesquisadores afirmam ter uma base sólida para buscar tratamentos que possam retardar ou até interromper a progressão da doença, especialmente em indivíduos com mutações no PINK1. PINK1 O Parkinson é caracterizado pela morte de células cerebrais, que não se regeneram. A cada minuto, o corpo humano perde cerca de 50 milhões de células, mas, nas áreas do cérebro afetadas pela doença, a taxa de reposição dessas estruturas é extremamente baixa. O papel das mitocôndrias nesse processo é central. Essas organelas são responsáveis por produzir a energia necessária para o funcionamento das células. Quando as mitocôndrias são danificadas, deixam de gerar energia adequadamente e, além disso, começam a liberar toxinas. Em indivíduos saudáveis, as estruturas danificadas são removidas por meio de um processo conhecido como mitofagia, garantindo que o corpo mantenha um ambiente celular limpo e funcional. Entretanto, nas pessoas com Parkinson e para quem tem uma mutação no gene PINK1, a mitofagia falha. As mitocôndrias danificadas não são eliminadas corretamente, permitindo que toxinas se acumulem dentro das células, o que eventualmente leva à morte dessas estruturas. Como as células nervosas no cérebro demandam grandes quantidades de energia para funcionar, elas são especialmente vulneráveis ao acúmulo de toxinas e danos mitocondriais. Conforme Hudson Azevedo Pinheiro, especialista em gerontologia pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), diretor científico da SBGG-DF, ao entender que o funcionamento dessa proteína é essencial, e que sua perda está associada à morte programada, é possível que haja algum tipo de intervenção farmacológica. “Mas aproveito ainda para fazer uma observação, quando falamos em envelhecimento e saúde neuronal, ela também está associada ao estilo de vida. Então, vamos conversar aqui sobre a alimentação, sobre a prática de atividade física regular e também quanto a estímulos cognitivos, que envolvem processos relacionados à leitura, interpretação, julgamentos, em geral, uso das capacidades cognitivas.” Perspectivas Embora ainda seja um campo em evolução, a equipe acredita que as descobertas representam uma esperança renovada para os pacientes e suas famílias. O estudo não somente avança o conhecimento sobre a biologia do Parkinson, mas também sinaliza que um tratamento eficaz para a doença pode estar mais próximo. De acordo com Priscilla Mussi, geriatra e coordenadora de geriatria do hospital Santa Lúcia, em Brasília, os remédios utilizados atualmente contra o Parkinson ainda têm grande risco de causar efeitos colaterais. “Mas se tivermos remédios específicos para o PINK1, eles não agirão em outros locais, causando esses efeitos. Além disso, se conseguirmos encontrar medicações que atuem na mutação do PINK1, conseguiremos encontrar tratamento para evitar a doença, mesmo em pacientes geneticamente predispostos.” Com essa descoberta, os cientistas agora têm uma compreensão mais clara sobre o funcionamento do PINK1 e sua ligação com a doença. A expectativa é que, com mais pesquisas, seja possível desenvolver medicamentos que ajudem a restaurar o funcionamento normal das mitocôndrias, retardando a progressão da doença e melhorando a qualidade de vida dos pacientes. Foco em genética Um estudo publicado, recentemente, na revista Cell Reports mostrou que variantes do gene ITSN1 estão associadas a um risco significativamente elevado de doença de Parkinson, condição neurodegenerativa que afeta quase 2% dos adultos com mais de 65 anos. A pesquisa, liderada por uma equipe internacional de cientistas, pode ajudar na criação de tratamentos para retardar ou prevenir a evolução do Parkinson. O ITSN1 tem um papel crucial na transmissão sináptica — forma como
Páscoa mais saudável: cientistas testam chocolate “medicinal”

Fonte: Correio Braziliense | Seção: Notícias | Imagem: Reprodução Internet | Data: 15/03/2025 Cientistas criaram chocolates com propriedades probióticas — micro-organismo vivos geralmente presentes em alimentados fermentados, como iogurtes. Além dos benefícios tradicionais do tipo amargo e do sabor, a receita ajuda na flora intestinal. Produzida para pesquisa, essa é uma amostra do chocolate com infusão de prebióticos e probióticos – (crédito: Smriti Gaur) Com a proximidade da Páscoa, as prateleiras dos supermercados e das lojas são tomadas por ovos e mimos de chocolate. Popular, na versão amarga traz mais benefícios para a saúde, se consumido da forma correta, graças a alguns componentes, como polifenóis, ele tem ação antioxidante, e anti-inflamatória. Em um novo estudo, divulgado recentemente na revista ACS Food Science & Technology, pesquisadores do Instituto Walter e Eliza Hall, na Austrália, sugerem que incluir pré e probióticos no doce pode deixá-lo mais saudável. Mas os aromatizantes presentes na composição interferem nas suas propriedades, como umidade e o teor de proteína do produto. Os probióticos — encontrados em alimentos fermentados como iogurte, melhoram o microbioma intestinal, modulando o equilíbrio de bactérias. Eles também podem aliviar problemas digestivos e reduzir a inflamação. Essas culturas precisam de alimentos e proteção para sobreviver no ambiente intestinal, então, prebióticos são adicionados a produtos. Pela popularidade do chocolate, os cientistas testaram várias combinações de pré e probióticos nesse doce. Para facilitar a criação dessa receita saudável, Smriti Gaur e Shubhi Singh, líderes da pesquisa, exploraram prebióticos que não precisavam de um processamento extensivo — milho e mel — em chocolate fortificado com probióticos. Cinco tipos Os pesquisadores criaram cinco tipos de chocolates. O primeiro foi feito somente com ingredientes básicos, incluindo manteiga de cacau, cacau em pó e leite em pó. Quatro amostras diferentes de teste simbiótico também continham prebióticos (obtidos a partir do milho e do mel), um probiótico — Lactobacillus acidophilus La-14 ou Lactobacillus rhamnosus GG — e um aditivo de sabor, que poderia ser canela ou laranja. Quando a equipe avaliou as diferentes propriedades das amostras de chocolate, descobriu que os níveis de gordura, que influenciam a textura e a sensação na boca, eram consistentes entre todos os cinco exemplares. No entanto, houve diferenças bastante expressivas. Os aromatizantes modificaram algumas características. Aqueles com toques de laranja diminuíram o pH, aumentaram a umidade e melhoraram os níveis de proteína em comparação com todas as outras amostras. Os quatro produtos simbióticos apresentaram níveis mais altos de antioxidantes do que o doce comum, sem pre e probióticos. Os alimentos modificados tinham menos estalo — que avalia a crocância e a secura — em comparação ao controle, sugerindo que os ingredientes adicionais perturbaram a estrutura do chocolate. As contagens microbianas totais das amostras dos doces simbióticos diminuíram durante o armazenamento, mas os micróbios probióticos ainda estavam viáveis após 125 dias de armazenamento. Esse período é maior do que outros pesquisadores relataram ao usar diferentes bactérias e prebióticos em experimentos semelhantes. Os cientistas expuseram os chocolates modificados a condições gastrointestinais simuladas, os probióticos nas amostras mantiveram viabilidade substancial por mais de 5 horas. “Pessoalmente, nós gostamos mais dos chocolates com sabor de laranja, em que as vibrantes notas cítricas complementavam o rico cacau, e ele tinha uma textura um pouco mais macia que fazia cada mordida parecer mais luxuosa”, sublinhou Gaur. Vantagens Gabriel Moliterne, nutricionista especialista em nutrição clínica, avaliação, epidemiologia e intervenção do Hospital Albert Sabin, em São Paulo, ressaltou vantagens dos chocolates amargos, com alto teor de cacau. “Eles contêm flavonoides, compostos com propriedades cardioprotetoras, anti-inflamatórias e antitrombóticas. Pode ajudar a diminuir a pressão arterial. Além de auxiliar na memória e na função cognitiva.” Segundo Jamilly Drago, endocrinologista da clínica Metasense, em Brasília, o chocolate, principalmente 70%, o cacau, é também um excelente antioxidante. “Ele aumenta a saciedade do doce, melhora a cognição e tem um pouco de cafeína, então ele tem essa melhora da cognição, do alerta e deixar a pessoa com mais energia. O produto 70% cacau está presente em vários tipos de dieta e no acompanhamento de algumas patologias.” No entanto, Moliterne alerta para o consumo errado. “O alto teor calórico facilita o ganho de peso. Além disso, o consumo excessivo pode causar alguns desconfortos, como diarreia ou dor abdominal. Devido ao conteúdo de cafeína e teobromina, o consumo de chocolate antes de dormir interfere no sono, causando insônia ou prejudicando a qualidade do descanso.” “No futuro, estamos animados para explorar benefícios adicionais à saúde desses chocolates enquanto investigamos minuciosamente seus perfis sensoriais e nutricionais, com o objetivo de criar uma guloseima ainda mais saudável e agradável”, finalizou Gaur. Mais estudos “Se futuramente esse chocolate simbiótico provar realmente ser saudável, haverá um ponto positivo para a indústria de alimentos. Mas esse estudo precisa ser feito em um período mais longo, é necessário para confirmar tudo isso durante um tempo. Então, a adição do probiótico no chocolate não garante automaticamente que vai se tornar um alimento saudável. Outros fatores como o teor de açúcar e processamento também influenciam no impacto da saúde. Esse estudo abre caminho para futuras pesquisas. Tem que aprofundar mais o conhecimento sobre os alimentos simbióticos e sua eficácia na saúde intestinal.” Mais estudos “Se futuramente esse chocolate simbiótico provar realmente ser saudável, haverá um ponto positivo para a indústria de alimentos. Mas esse estudo precisa ser feito em um período mais longo, é necessário para confirmar tudo isso durante um tempo. Então, a adição do probiótico no chocolate não garante automaticamente que vai se tornar um alimento saudável. Outros fatores como o teor de açúcar e processamento também influenciam no impacto da saúde. Esse estudo abre caminho para futuras pesquisas. Tem que aprofundar mais o conhecimento sobre os alimentos simbióticos e sua eficácia na saúde intestinal.” Carla Bispo, nutricionista clínica, em Brasília
Pesquisadores criam minicérebros para investigar envelhecimento saudável

Fonte: CNN Brasil | Seção: Notícias | Imagem: Reprodução Internet | Data: 29/01/2025 Organoides foram desenvolvidos a partir de células sanguíneas de centenários que integram projeto conduzido no Centro de Estudos do Genoma Humano e Células-Tronco; objetivo é descobrir genes que protegem o cérebro dos efeitos da idade. Com 116 anos, a Freira Inah Canabarro Lucas é a mulher mais idosa do mundo, segundo o Gerontology Research Group. A religiosa brasileira, que atualmente mora em Porto Alegre (RS), adora chocolates, detesta banana, dirigiu uma banda de música e viajou por todos os países da América Latina. Em 2022, contraiu Covid-19 e, surpreendentemente, recuperou-se sem grandes complicações. Laura, de 105 anos, começou a nadar aos 70. Atualmente, exibe a agilidade de uma jovem e excelente capacidade cognitiva. Em vez de perder força muscular com o tempo, como era o esperado, a nadadora mineira preservou musculatura e passou a ganhar medalhas aos 100 anos. Já Milton, de Brasília, um veterinário que aos 108 anos acompanhava e comentava todos os avanços científicos noticiados, foi capaz de nomear e relembrar a importância de todos os presentes em sua festa de aniversário de 107 anos – algo pouco trivial até para quem comemora um par de décadas. Todos eles integram um projeto conduzido no Centro de Estudos do Genoma Humano e de Células-Tronco (CEGH-CEL) – um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP sediado na Universidade de São Paulo (USP). O estudo está mapeando o código genético de centenários saudáveis em busca de genes determinantes para essa longevidade excepcional. Até agora, já foram coletadas amostras de 75 centenários e a busca por novos voluntários continua. “Queremos identificar os genes protetores de doenças comuns ao envelhecimento, como as demências e aquelas relacionadas à perda muscular. Sabemos que manter um estilo de vida saudável é muito importante para se obter uma velhice com qualidade de vida. No entanto, sabemos também que, depois dos 90 anos, a genética é muito mais determinante que o ambiente”, diz Mayana Zatz, coordenadora do CEGH-CEL. Além de coletar o sangue dos centenários e sequenciar seus genomas, os pesquisadores estão reprogramando as células sanguíneas (eritroblastos) coletadas e as transformando em células-tronco pluripotentes induzidas (iPS), processo que permite diferenciá-las em qualquer outro tipo de células, como as musculares, ósseas ou nervosas. Isso possibilita também a criação de organoides – miniórgãos desenvolvidos em laboratório que podem ser usados para estudar o funcionamento dos sistemas corporais. Com os minicérebros obtidos a partir de células doadas pelos centenários brasileiros os pesquisadores pretendem investigar os genes relacionados com a proteção de processos neurodegenerativos associados a demências senis, Alzheimer, Parkinson e outras doenças comuns do envelhecimento. Mas para isso, além de avançar no monitoramento e na busca ativa de centenários saudáveis, também estão investindo no desenvolvimento de minicérebros mais complexos. Os protocolos até agora desenvolvidos foram descritos em um dos capítulos da série de livros Methods in Molecular Biology, publicada pela editora Springer. “Estamos trabalhando em duas frentes. Primeiro, temos a coorte [grupo de voluntários do estudo] dos centenários brasileiros. É algo que não existe no mundo, visto que eles têm uma variabilidade genética muito grande em decorrência de nossa miscigenação. Isso pode nos permitir identificar um maior número de genes protetores. Paralelamente, estamos desenvolvendo organoides mais complexos, capazes de mimetizar de um modo mais amplo o que acontece no cérebro dos centenários”, conta Zatz. Isso significa desenvolver organoides que, além de neurônios, também contam com outros tipos de células do sistema nervoso central, como as micróglias, que reconhecem e sinalizam a presença de patógenos, além de desempenhar papel importante no desenvolvimento cerebral. “Com esse modelo experimental complexo e mais sofisticado é possível replicar vários aspectos das funções, interações e organização do cérebro. É um modelo ideal para estudar tanto questões referentes ao desenvolvimento cerebral quanto anomalias e distúrbios neurológicos, pois mimetiza a arquitetura celular e os processos fisiológicos do cérebro humano”, explica Raiane Ferreira, pesquisadora do CEGH-CEL e bolsista de doutorado da FAPESP. “Não estamos desenvolvendo nada novo, apenas avançando na técnica de criar minicérebros mais complexos que nos permitam, por exemplo, incluir a micróglia”, pontua Ferreira. Do começo ao fim Segundo a pesquisadora, existe um complicador nesse processo: as células iPS – a base para a produção dos organoides em laboratório – têm características mais embrionárias e os minicérebros são comumente utilizados para o estudo do neurodesenvolvimento. “Nosso desafio é conseguir adaptar o modelo para que expresse fatores de estresse presentes no envelhecimento. Assim, poderemos investigar como se dá o neuroenvelhecimento”, diz. “Os participantes do projeto estão todos muito lúcidos. Sabemos que a micróglia tem uma função muito importante em relação ao Alzheimer e outras demências por causa de seu papel na homeostase [equilíbrio] do cérebro no envelhecimento. Por isso, buscamos entender nesta etapa da pesquisa se a micróglia desses idosos também estaria diferente, sofrendo menos efeitos de envelhecimento. Isso só será possível descobrir a partir do organoides que estamos desenvolvendo “, afirma Ferreira.
Por que produtos naturais nem sempre são melhores que sintéticos

Fonte: BBC Brasil | Seção: Notícias | Imagem: Reprodução Internet | Data: 15/02/2025 Antes de escrever esta reportagem, marquei horário na cabeleireira. Enquanto ajustava a capa de corte em torno do meu pescoço, ela apontava para o xampu que iria usar. “É uma linha nova, feita com 90% de ingredientes naturais”, explicou ela. O folheto anexo continha descrições resumidas de cada um dos produtos da linha. Um dos xampus continha extrato de figo-da-índia e outro usava frutos de açaí. Um terceiro incluía sementes de chia. Assim que entrei em casa, peguei os frascos de xampu que comprei e olhei mais detalhadamente a lista de ingredientes: álcool cetearílico, glicerina, cloreto de behentrimônio e miristato de isopropila. Todos são substâncias comuns, feitas em laboratório. Nenhum desses ingredientes me preocupava. Mas, mesmo sendo empregados em quantidades muito maiores do que qualquer um dos extratos de frutas, nenhum deles é destacado nos anúncios da marca. A tática empregada – aparentemente com sucesso, no meu caso – existe há séculos. Ela é adotada com frequência nas redes sociais, por marcas e influenciadores, e por políticos de todo o planeta. O chamado “apelo à natureza”, ou “falácia naturalista”, é um dos tipos mais comumente observados de falácias lógicas – falhas de raciocínio que podem fazer uma afirmação parecer surpreendentemente convincente. Sempre que você ouvir alguém afirmar que um produto ou prática é superior porque é “natural”, ou que outra é inferior (ou até prejudicial) porque não é “natural”, é porque a falácia naturalista está em andamento. Dela surgem os argumentos que defendem que determinado produto segue “os padrões da natureza”, ou que outra substância é ruim especificamente porque é “química” ou “sintética”. A natureza é maravilhosa em muitos aspectos e tem muito a nos ensinar. Mas por que algo não é necessariamente melhor apenas porque vem da natureza? A resposta é porque a natureza não tem intenções, pelo menos em sentido consciente. Ou seja, ela não tem a intenção de fazer o bem, ou de ajudar os seres humanos, especificamente falando. Não precisamos filosofar muito para chegar a esta conclusão. Basta considerar algumas das criações da natureza. O arsênio, por exemplo, é um produto natural que pode matar um ser humano adulto com uma dose de até 70 mg. Outro produto natural é o amianto, que é cancerígeno. O cianeto pode matar com até 1,5 mg por kg de peso do corpo, se for ingerido. Ele é uma fitotoxina, produzida naturalmente por mais de 2 mil espécies de plantas, incluindo as amêndoas, damascos e pêssegos. Por isso, alguns remédios “naturais” frequentemente comercializados podem, na verdade, ser perigosos para o consumo, como sementes de damasco moídas. Esta é a questão do uso da palavra “natural”, tão comum nos anúncios de diversos produtos. Trata-se de um termo mal definido, que não significa necessariamente que o produto será melhor, ou até mais seguro, do que outras opções. Uma pesquisa sobre produtos para a dentição dos bebês rotulados como “naturais” descobriu, por exemplo, que mais de 370 crianças sofreram efeitos adversos, como convulsões ou delírios. Os produtos continham níveis inconsistentes, às vezes elevados, de beladona. É claro que também podemos observar fenômenos naturais, além dos ingredientes empregados nos produtos. A varíola, por exemplo, chegou a matar uma em cada três pessoas infectadas pela doença. Este vírus de ocorrência natural foi responsável pela morte de uma quantidade surpreendente de pessoas – 300 a 500 milhões, somente no século 20 – até que foi erradicado graças à vacinação. A hera venenosa, a poliomielite, os tornados, as picadas de insetos e a eventual e inevitável morte do Sol que, um dia, irá pôr fim a toda a vida na Terra também são eventos naturais. No seu ensaio sobre a natureza, de 1874, o filósofo britânico John Stuart Mill (1806-1873) indicou que este é um dos principais problemas dos chamados “apelos à natureza”: Para ele, “ou será certo matar, porque a natureza mata; torturar, pois a natureza tortura; arruinar e devastar, porque a natureza assim o faz; ou não devemos considerar o que a natureza faz, mas sim fazer aquilo que é bom fazer”. Em outras palavras, se a premissa do apelo à natureza for correta e tudo o que for “natural” deve ser melhor, apenas porque é natural, precisaremos também estar dispostos a aceitar tudo o que a natureza traz. Caso contrário, provavelmente não acreditamos, na realidade, que tudo é inerentemente melhor quando é natural. Paralelamente, existem centenas de coisas que podemos considerar não naturais e que, na verdade, melhoraram muito a vida de muitas pessoas. Antes da medicina moderna, mais de uma a cada 100 mulheres morria ao dar à luz. Atualmente, nos países ricos e industrializados como o Reino Unido, morre uma mulher a cada 10 mil. Antes da difusão global das vacinas, a coqueluche matava uma a cada 10 crianças infectadas. Depois da vacinação, as mortes caíram para uma fração – mais especificamente, 1/157 – dos números anteriores. Até aqui, falamos apenas da medicina. Mas basta olhar em volta para observar dezenas de outros exemplos. Usar óculos, refrigerar os alimentos ou ligar o aquecimento no inverno, por exemplo, podem não ser ações “naturais”. Mas, para muitos de nós, é uma alternativa melhor do que andar por aí sem enxergar direito, deixar a carne estragar ou ter arrepios de frio no inverno. Grande parte dos alimentos que consumimos não chega até nós na mesma forma em que a natureza os apresenta. Nós os processamos e cozinhamos. A colheita, moagem e o processamento dos grãos ajudaram na transição que fez com que a nossa espécie deixasse de ser nômade, caçadora e coletora, passando a ser formada por agricultores estabelecidos, capazes de construir sofisticadas civilizações. O mesmo ocorreu com o nosso cultivo e cruzamento das plantas. Eles fizeram com que muitos dos alimentos nutritivos que consideramos “naturais” hoje em dia, desde a cenoura até a banana moderna, tenham aparência e sabor muito diferentes dos seus antepassagens silvestres. É claro que não estaria certo sugerir que os produtos fabricados pelo homem não nos causam problemas, como no caso da poluição gerada pelos plásticos sintéticos ou do uso