“Tentam enganar a todos”
Carlos Drummond
Ex-secretário de Finanças da cidade de São Paulo, especialista em contas públicas, o economista Amir Khair afirma que o governo desvia o foco dos principais problemas ao propor a reforma da Previdência. A dívida bruta explodiu, diz, por causa da alta dos juros, não pela expansão dos gastos do INSS.
Carta Capital: Por que o governo considera urgente a reforma da Previdência?
Amir Khair: É um desvio de foco. Tentam enganar a todos. O problema central das contas públicas não são os gastos com a Previdência, mas uma despesa com juros extremamente elevada. Os juros fazem parte do Orçamento, são classificados como gasto corrente, do mesmo modo que aquele com pessoal. No ano passado, consumiram 501 bilhões de reais, 80% do déficit do setor público. Neste ano, serão mais de 600 bilhões. O resultado é a explosão da dívida bruta como proporção do PIB.
O barco está afundando, a cada ano gasta-se mais com juros, mas o ministro da Fazenda fala em uma economia de 24 bilhões de reais de superávit primário.
CC: Como evoluíram os gastos da Previdência?
AK:
Em valores de dezembro, as despesas com os benefícios previdenciários tiveram um aumento de 6 bilhões de reais de 2014 para 2015, variação real de 1,4%. Os juros cresceram, entretanto, 130 bilhões de reais no mesmo período, 21 vezes mais que o déficit provocado pelos benefícios.
CC: Como se chegou a essa situação?
AK:
O grande responsável pela atual situação das contas públicas no Brasil não é o Tesouro Nacional, e sim o Banco Central. Por duas razões: a taxa Selic historicamente elevada e os swaps cambiais, que são outra loucura do BC. E essa história não é discutida porque a mídia interditou o debate sobre a questão fiscal. Dificilmente se encontra nos meios de comunicação a expressão déficit nominal. Em qualquer outro país é assim que se mede o déficit, o primário mais as despesas com juros.
CC: Argumenta-se que a Previdência vai estourar por causa do aumento do número de idosos.
AK: Não existe estudo técnico sério no Brasil para sustentar qualquer afirmação sobre o déficit futuro da Previdência. Os poucos estudos sobre projeções atuariais estão todos furados, a começar por aqueles do governo. No Fórum Nacional da Previdência Social, em 2007, técnicos do Ministério da Previdência encaminharam previsões assustadoras. Eu assessorava tecnicamente o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, que dava suporte às centrais. Desconfiamos do exagero e, com base na Lei de Responsabilidade Fiscal, pedimos para informarem as premissas adotadas e fornecerem as planilhas com a memória de cálculo. Informaram só as premissas, que não podem ser checadas sem a memória de cálculo.
CC: O senhor quer dizer que as propostas atuais não têm base técnica?
AK: Isso mesmo. O atual ministro da Fazenda, participante das negociações ao lado da presidenta, nada entende de Previdência Social. E é deselegante falar de um assunto do qual não se entende. Mas eles vão levar um “baile”, pois as centrais estão unidas, o Dieese as assessora e não se brinca com uma questão que mexe com milhões de brasileiros. Menos ainda em um momento ruim para todos aqueles que temem o desemprego e uma situação social mais grave.
CC: O fator previdenciário foi eliminado?
AK: Não foi. Quem está na regra 85/95 recebe a média de 80% dos maiores salários. Quem não atingiu a regra 85/95 e contribuiu no mínimo por 35 anos, no caso dos homens, ou 30 anos, no caso das mulheres, multiplica aquela média pelo fator previdenciário. Mas, quanto mais os anos passam, maior o tempo de sobrevida calculado todos os anos pelo IBGE, portanto a cada ano cai o fator previdenciário, e disso quase ninguém fala. Em geral, o trabalhador é expulso do mercado de trabalho por volta dos 50 anos de idade e se apressa para conseguir se aposentar porque prefere ganhar pouquinho em vez de esperar até os 65 anos, com cada vez menos chance de encontrar emprego e mais despesas com saúde. Portanto, há uma armadilha na exigência de idade mínima.
CC: Por que se insiste nesse caminho?
AK:
Na minha opinião, é uma tática dos bancos, a fonte da ideia da reforma da Previdência e da desvinculação de educação e saúde dos impostos previstos na Constituição. Eles querem diminuir isso para que não se mexa nos juros. Então só falam em resultado primário, não em resultado nominal.
CC: Qual a importância das reformas da Previdência desde 2003?
AK: Ajudaram a melhorar o sistema. Quem o prejudicou foi o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, pois ele fez desonerações na cota patronal, principal arrecadação da Previdência Social. Ele trocou os 20% sobre a folha de pagamento por 1% a 1,5% sobre o faturamento e a receita da Previdência começou a cair. Aquela diferença em favor das empresas deveria ter sido compensada pelo Tesouro, pois não se pode fazer caridade com o chapéu alheio.
“Os infinitamente pequenos têm um orgulho infinitamente grande. A política tem a sua fonte na perversidade e não na grandeza do espírito humano.”
Voltaire
FONTE: Revista Carta Capital