Empresas e bancos retomam ofertas de ação, dívida e aquisições
A definição do novo governo, com a eleição de Jair Bolsonaro (PSL), deve destravar um volume de ao menos US$ 33 bilhões – ou cerca de R$ 122 bilhões – em transações de mercado de capitais, incluindo ofertas de ações, dívida e operações de fusão e aquisição. A estimativa foi feita pela equipe de análise de mercado da Bloomberg, com exclusividade para o Valor. Para grandes bancos de investimento, trata-se da melhor perspectiva em quase uma década.
“Vemos uma agenda muito positiva para o Brasil, considerando continuidade de reformas, controle inflacionário e geração de empregos”, diz Bruno Fontana, chefe de banco de investimento do Credit Suisse no Brasil. “Fazia tempo que não acontecia de termos uma perspectiva tão frutífera para o mercado, talvez desde 2010”, complementa.
Só em ofertas de ações, o banco estima que cerca de 30 empresas façam ofertas iniciais (IPOs) e subsequentes (“follow-on”) no próximo ano. A estimativa de mercado, compilada pelo Valor com instituições financeiras, é de mais de R$ 25 bilhões somente em ofertas de ações iniciais.
Para a analista de mercado do núcleo de estudos da Bloomberg, Adriana Dupita, esse montante já começou a ser desbloqueado antes mesmo da eleição. “A perspectiva de eleição de um candidato reformista já fez com que Tivit e BMG protocolassem IPO antes mesmo do resultado das urnas”, afirma Adriana.
“As companhias já tinham voltado a se preparar para avançar com suas operações em meados de setembro, assumindo um cenário eleitoral que propiciasse uma janela de emissões”, diz Alessandro Zema, chefe de banco de investimento do Morgan Stanley no Brasil. “O que vai começar agora são novas empresas se preparando para isso também.”
Há ainda um volume relevante de fusões e aquisições (M&A) que estava à espera de definição. Dada a turbulência eleitoral, o ritmo de operações caiu no terceiro trimestre e ficou no menor patamar desde o início de 2015, conforme levantamento da consultoria Mergermarket. As transações envolvendo empresas brasileiras somaram US$ 3,8 bilhões no período, queda de 62% em relação ao segundo trimestre e retração de 70% em comparação ao mesmo período do ano passado.
“O negócio de M&A é uma consequência da atividade de mercado de capitais, tanto de dívida quanto de ações, porque a atividade se beneficia muito quando há alternativas de funding disponíveis e alguma previsibilidade de taxa de câmbio”, afirma Zema.
Nas contas da equipe de análise da Bloomberg, são cerca de US$ 13 bilhões de operações de M&A já engatilhadas, boa parte delas envolvendo estatais. Nessa conta entram, por exemplo, a concretização da venda dos gasodutos da Petrobras (TAG) e da distribuidora Liquigás. “Não entram nas contas operações que foram cogitadas pelo mercado mas que não estariam prontas para acontecer, como uma oferta da Caixa”, explica a analista.
Para boa parte do mercado ainda não está claro como o novo governo vai tratar algumas das estatais que estavam em processo de privatização – incluindo esse possível IPO da Caixa, ou pelo menos da Caixa Seguridade, a venda da Eletrobras e também a continuidade de desinvestimentos da Petrobras. Ao mesmo tempo que Bolsonaro já declarou ser contra a privatização da Caixa, da Eletrobras e da Petrobras, o futuro ministro da Fazenda, Paulo Guedes, defende uma agenda de privatizações.
“Não descartamos modelos em que isso possa ser viável. A Caixa, por exemplo, pode seguir os moldes do Banco do Brasil na bolsa, em que o controle ainda é estatal mas há uma grande diferença em governança entre as duas instituições”, considera um executivo.
Na avaliação de executivos, a definição de governo ajuda também no andamento da transação entre a petroquímica Braskem e a holandesa LyondellBassell. “Em uma operação que envolve Petrobras, que é acionista da Braskem, qualquer indefinição sobre governo é ruim”, diz um dos interlocutores.
A expectativa é que não haja surpresa também na operação de Embraer e Boeing. Alguns analistas chegaram a levantar dúvidas sobre a aprovação do negócio em um governo repleto de militares em cargos estratégicos. “A comissão envolvida no estudo da transação e que definiu o modelo tinha militares diretamente envolvidos e o modelo foi todo desenhado para atender o interesse dos militares”, avalia um executivo. “Foram eles quem levantaram a bandeira de manter a área de defesa sob responsabilidade da Embraer. Além disso, vai muito em linha com o discurso do novo governo de aproximação dos Estados Unidos”, complementa.
Para a analista da Bloomberg, Bolsonaro já se manifestou contra a venda do negócio principal da Petrobras, o que não impediria a venda de outros ativos. “Paulo Guedes listou entre as prioridades, em sua declaração no dia da eleição, a redução de pagamento de juros da dívida e a forma de fazer isso é reduzir a dívida. Fica implícito que privatização é um elemento chave da política proposta por Guedes”, considera a analista.
Apesar do otimismo, os executivos ponderam que ainda falta o novo governo estabelecer com clareza as prioridades e equipes, para que as expectativas se consolidem. “O resultado eleitoral era um passo necessário, mas o caminho já estava traçado. Sem o obstáculo da eleição, voltamos à velocidade de cruzeiro para as operações iniciadas”, diz Antônio Pereira, chefe do banco de investimento do Goldman Sachs no Brasil. Segundo ele, os clientes ainda mantêm certa cautela, à espera da definição das pautas prioritárias e da equipe do novo governo. “Mas novas operações, até por um curto espaço de tempo este ano, de cinco semanas úteis, ficarão principalmente para 2019.”
Para ele, uma questão relevante de investimentos no novo governo também está relacionada à pauta de concessões. “Há uma expectativa não só na pauta de privatizações mas de aceleração de concessões. Acho que podemos ver uma regularidade maior nessa agenda no caso de óleo e gás, por exemplo, onde há um espaço grande entre as rodadas de leilão”, diz Pereira.
O cenário internacional também pode interferir no tamanho do otimismo doméstico. No primeiro dia pós-eleição, a bolsa fechou em baixa e o dólar em alta, puxados pelos mercados externos. “Foi contra a expectativa de um dia de valorizações. Ontem o mercado internacional dominou, não quer dizer que isso acontecerá nas próximas semanas, mas é um fator relevante”, diz André Schwartz, sócio-fundador do banco Brasil Plural.
O cenário internacional também será determinante para o crescimento das emissões de dívida no exterior. “O volume de dívida internacional foi fraco e, para retomar, o crescimento da economia brasileira ajuda, já que reduz o risco das emissões. Mas ele também depende da comparação internacional com a taxa de juros americanos, por exemplo”, diz Daniel Vaz, chefe do mercado de capitais de renda fixa e financiamento de projetos do BTG Pactual.
Por outro lado, diferentemente de M&A e ações, não houve represamento de emissão de dívida local. “O mercado de dívida local foi muito ativo, com recorde de emissão de debêntures em 2017 e novo recorde em 2018. Em um cenário de manutenção de juros no patamar atual ou até de redução, esse mercado tende a ser ainda mais estimulado”, avalia Vaz.
Fonte: VALOR ECONÔMICO -SP